Ontem ao ir para a faculdade, esqueci acidentalmente meu celular em
casa. Esquecer esse dispositivo demoníaco é sempre uma bênção por
diversas razões, mas uma das quais eu não estava esperando é o fato de
eu não saber quais horas do dia eram a todo o momento; como não tenho
relógio de pulso, o celular é a única maneira de eu estar informado sobre as
horas. Foi uma sensação de liberdade que eu já não sentia há muito tempo. Nós
nos importamos compulsivamente com as horas, é impossível viver em sociedade
sem ter um relógio. Tudo no dia tem o tempo certo para acontecer: tem as
horas em que você estuda, almoça, vê as aulas, volta para casa e dorme.
Tudo perfeitamente sincronizado e cronometrado nessa dança imparável
que é a vida. O fato de por algumas horas do meu dia eu não saber que
horas eram fez eu estar alheio desse sincronismo desenfreado e simples-
mente viver o momento, como a vida deveria ser. Olhar as horas em um
relógio é um dos acatos silenciosos que nós damos para as ordens que
a vida moderna nos impõe.
De imediato, ao ter essa sensação, lembrei das críticas que eu havia lido
e visto feitas pelo filósofo anarcoprimitivista John Zerzan. Lembro dele ter
comentado que deixou de ter um relógio em casa durante algum tempo; sinto
que, em alguma medida, deveríamos fazer o mesmo.