Na matemática, é muito comum nós simplesmente ignorarmos os textos
originais que apresentaram as ideias que usamos com regularidade. Os
matemáticos e estudantes de matemática, em geral, não leem os artigos
originais dos grandes nomes da matemática como o Euler, Gauss, Cauchy,
Riemann, etc. Grande parte do que explica isso é a baixa "personalidade"
da matemática. Isto é, o que não perece de verdade para os matemáti-
cos não é exatamente como os autores originais comunicaram suas
ideias, mas sim suas definições e teoremas. Durante a história,
muitas dessas ideias são então reformuladas, não somente com mudança
de notação, mas também ligeiras mudanças na própria ideia em si,
ocorrendo assim a perda do interesse pelo material original.
Porém, há algumas semanas atrás estive lendo o prefácio de um li-
vro intitulado "Riemann's Zeta Function" do autor Harold M. Edwards.
No prefácio, ele recomendava ativamente que o leitor lesse o artigo
original do Riemann sobre a função zeta, e que a literatura secun-
dária é somente "uma maneira de você acessar o conteúdo original
de um autor". Particularmente achei essa perspectiva bem
interessante, pois atualmente é incomum ver essa atitude dentro da
matemática, ao contrário do que parece ser nas ciências humanas.
Durante o primeiro período da faculdade, tive uma disciplina que foi
uma espécie de "pequena introdução à filosofia da ciência". A disciplina
consistia em nós lermos textos originais e de comentadores que
abordavam a filosofia da ciência. Algo que me recordo até hoje foi que,
quando eu estava elaborando uma análise de um texto em sala, ao
comentar com o professor sobre ela, ele disse que eu estava perdendo
de vista uma certa qualidade "literária" do texto e focando únicamente
no rigor da estrutura dos argumentos. Em perspectiva, vejo que
essa maneira que adotei para analisar o texto foi profundamente in-
fluenciada pela maneira com o qual os matemáticos atualmente leem ma-
temática. As vezes eles nem possuem culpa: alguns livros de matemática
são tão secos que possuem somente as definições, os teoremas e os exer-
cícios, sem o autor motivar bem o suficiente o assunto.
Por que falei disso? Porque, como comentei acima, o que não perece
na matemática são os resultados concretos que os matemáticos dei-
xam, e não suas qualidades "literárias". Talvez devêssemos mudar
isso um pouco e tentar ver como os autores originais pensavam sobre
suas próprias ideias, e não somente tomá-las por garantido. Natural-
mente essa não é uma boa maneira de se iniciar sobre um tema, mas
parece razoável ler os autores originais após entrar em contato com
suas ideias várias vezes pelos livros didáticos.