Por que não usar a internet?

Tem alguns anos que eu venho pensando em parar de usar a internet. A
princípio eu gostaria de parar totalmente, porém claramente isso não
é possível hoje em dia. Reclamar da internet é chover no molhado; não
há ninguém que não teça sérias críticas à ela, mas vejo poucas pessoas de-
sejando sair totalmente dela. Os meus motivos são bem pessoais e é certo
que não vai de encontro com todas as pessoas, porém um motivo que eu
gostaria de comentar é a fissura na realidade que a internet (em especial, a
internet móvel) causou.

Há muitos anos atrás, quando você chegava em casa, você estava pro-
tegido. Apesar de todas as preocupações do dia, você agora pode se dei-
tar despreocupado, pois as mazelas do mundo não podem mais te alcan-
çar. Isso paulatinamente foi tirado de nós com o tempo. Primeiro veio o
jornal impresso, depois veio o rádio, a televisão e o computador de mesa,
cada um deles tomando a nossa paz e sossego em troca de comodidade e
entretenimento. Todavia, cada uma dessas tecnologias possuíam uma
característica importante: elas eram limitadas. Chegava um momento
em que o jornal acabava, o rádio e a televisão nem sempre passavam o que
você queria ouvir ou ver, além de que você não podia (em geral) carregar eles
por aí. Já o computador apresentou um grau de perigo muito maior se com-
parado ao jornal, rádio e televisão, porém ele pelo menos tinha hora e lugar
para ser usado; não era possível carregá-lo para qualquer lugar. Entre-
tanto não estávamos a salvo: a invenção do celular ainda nos esperava.

O celular representa nossa verdadeira derrocada. A todo momento, com a
rede móvel, não há hora e nem lugar para estarmos "conectados" com o mun-
do. Pode ser em um ônibus, em uma sala de aula, andando na rua, ao dor-
mir, ao acordar, ... a todo momento sabemos as notícias do mundo. Con-
versamos com as pessoas por texto, ouvimos música, assistimos víde-
os, estamos numa torrente inacabável de estímulos. Uma analogia que eu gos-
to de fazer é pensar a internet como um centro de uma grande cidade: quan-
do vamos para casa, estamos protegidos e longe do centro. Agora a internet,
aliada com o celular, nos permitiu carregar esse "centro da cidade" conos-
co a todo momento, juntamente com todo seu barulho, perigos e distra-
ções. Não há mais mundo real que não esteja embebido até a saturação
da irrealidade produzida pelas redes, o mundo real foi rompido pela internet.

Por que nós nos permitimos cair nessa armadilha, nesse engodo? O celular
e a internet nos rendem e tomam diariamente de assalto nossa atenção,
nosso tempo e a nossa paz. É necessário lutar contra isso. Você não pre-
cisa ver todos os filmes, séries e animes. Você não precisa ouvir todas as mú-
sicas, ler todos os livros. Você não precisa saber todas as notícias, você não
precisa conversar com todo mundo; você não precisa estar alheio a todo momento.
Devemos aprender a nos livrar das correntes impostas a nós e cair
novamente na simples e densa desconexão que nos é de direito.